domingo, 20 de junho de 2010

A Arquitetura das Górgonas I

A tendência à sobrecarga nos itens da segurança em nossos espaços urbanos gera um monstro espacial. Não no sideral, mas no que pisamos, no que sentimos e nos emociona - espaço de vida, urbano ou privado...
É monstruoso:

- no custo, que fica deformado pelo percentual de itens que se revelam em uma violência surdo-muda - grades, ofendículos, guardas (armados, às vezes), guaritas, circuitos fechados de TV, procedimentos e estratégias de comportamento, etc., etc....


- No comportamento, que de defensivo, se transmuta em evasivo - é o alerta da esquina, da parada no sinal, onde fechamos o vidro do carro para evitar o contato amedrontador com crianças e desvalidos que nos invadem. Evitamo-los por serem memento mori. Evitamo-los, mesmo que sejam brasileiros que necessitem de brasileiros para sobreviver. São extra-pacto social. Extranhos a ele. Alienígenas, de uma certa forma. Partes móveis do monstro criado pelo comportamento ambivalente do modelo de crescimento adotado. Estamos enriquecendo como país. E assumindo todas as ansiedades e dificuldades da desumanidade da acumulação priorizada.


- Na aparência, que nos toca de modo insidioso e desmoralizante - vivemos gradeados de maneira anestesiante - trocando de lugar com a horda predadora. Vivemos instalando gradis e equipamentos de segurança, assemelhando nossos condomínios a campos de concentração e presídios, enquanto contrata-se arquitetos para discutir a melhor estratégia para amenizar a paranóia. E, como se diz amiúde, os predadores ocupam a rua. Basta passear por ruas que eram exemplo de urbanidade acolhedora, em bairros tradicionalmente residenciais, onde se criou a imagem dos anoiteceres ao pé da porta, com crianças brincando e conversas integradoras. Onde estão todos? No Medo, região fria, nebulosa e escura de nosso espaço de vida, interno e externo, quem tem como característica principal nos tornar precocemente envelhecidos e agressivos.


- No absurdo da restrição ao nosso caminhar. Vivemos em micro-regiões de falsa segurança, com falsas esperanças de sobrevivência baseadas na falsa imagem de se pode comprar sistemas e seguros. Esquecemos dos portões. Não dos portões metafóricos, que sinalizam a passagem a espaços diferenciados, mas dos que fingem nos proteger e na verdade são o território onde todos os procedimentos, investimentos e ilusões se perdem. Aqueles onde passamos para buscar a segurança ansiada, mas nos expõem à fragilidade deste nosso servir de repasto ao monstro - neles estamos expostos à passagem. Ao momento onde a horda nos encontra de ventre revirado, como o animal de matilha que expõe o abdomen para demonstrar submissão. Neles nos acordamos para o fato de que o mais poderoso bunker tem sua fragilidade na menor porção. Onde entramos e saímos. E com isso pactuamos com o absurdo - minimizamos nosso mundo a encerras, muros e portões fortalezas para o engano da vida segura. E deixamos de caminhar livres. Nos prendemos. Nos restringimos.


Este é o Monstro que adotamos. Não tem forma, por isso mais monstruoso. Tem indícios e mostra seu rastro em nosso medo. Por isso nos assusta até a medula.
Mas nos habitua, como o antílope ao leão. E vice-versa. Estão na mesma pradaria, mesma savana. De tempos em tempos o leão come. E os antílopes seguem desenvolvendo seus dotes de habilidade fugitiva. Evasiva. Assim o fazemos.

Talvez seja nosso maior desafio, ao ver de um humilde ser humano marcado pelo conhecimento da arquitetura e urbanismo. A violência é característica do ataque, mas também da defesa. A perfuração do abdomen por uma bala é igual em efeito no agredido que se defende como no agressor. O medo de perder é igual em ambos. Mesmo que diferente em resultado, a Violência urbana marca a horda predadora da mesma forma que a massa passiva e predada. E ela se relata em nosso imaginário construído. Se relata e o deforma. Cria corcundas e crostas tão inúteis quanto deprimentes.



Podemos agir usando esta energia (aparentemente negativa, destruidora) a favor de um outro formato? Acredito que sim. Podemos trabalhar com outro modelo estético e funcional para nossso espaço urbano e habitat? Acredito que sim. Podemos mudar esta tendência antes que seja tarde e passemos a barbárie de sobreviver a cada dia como se fosse nossa única meta? Acredito que sim.

É nossa responsabilidade. Nossa possibilidade.
O bordão "Um outro mundo é possível" pode ser adotado também para esta ação.
Usa-se bastante dizer que cuidar por uma boa aparência, para um deprimido é parte do tratamento.

Que outro modelo de cidade podemos propor, já que estudamos isso com o cuidado universitário?
Este blog vai abrir espaço para esta questão. Acredito na Arquitetura da Felicidade estudada e proposta por Alain de Botton.
Acredito em e na Arquitetura de uma Arquitetura de Felicidade.

Como um roteiro que leve em conta o objetivo verdadeiro de projetar espaços - a Felicidade Serena.

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